domingo, 16 de agosto de 2009

BULA DE PAULO IV






Cum ex Apostolatus

(Bula de S. S. Papa Paulo IV, de 15 de fevereiro de 1559).





Contra as autoridades caídas em heresia

Dado que pelo nosso ofício apostólico, divinamente a Nós confiado ainda que sem mérito algum de nossa parte, compete-nos um cuidado sem limite do rebanho do Senhor; por conseqüência, para sua guarda fiel e salutar direção, estamos obrigados, à maneira de um Pastor que vela a uma assídua vigilância e a procurar, com particular atenção, que sejam excluídos do rebanho de Cristo aqueles que nestes tempos, arrastados por seus pecados ou fundados em sua própria prudência, se levantam contra a disciplina da verdadeira Fé de um modo realmente perverso, e transtornam com recursos maléficos e totalmente inadequados o entendimento das Sagradas Escrituras, com o propósito de ofender a unidade da Igreja Católica e a túnica inconsútil do Senhor; e que não prossigam com o ensinamento do erro os que desprezam ser discípulos da verdade.


1. Considerando a gravidade particular desta situação e seus perigos, ao ponto de que o mesmo Romano Pontífice, que como Vigário de Deus e de Nosso Senhor tem o pleno poder na terra e a todos julga e não pode ser julgado por ninguém, se fosse encontrado desviado da Fé poderia ser acusado, e dado que onde surge um perigo maior, aí deve-se prover de modo mais pleno e diligente; a fim de que os falsos profetas e os outros personagens que retêm jurisdições seculares, não façam cair miseravelmente nos seus laços as almas simples, nem arrastem consigo para a perdição os povos inumeráveis confiados ao seu cuidado e governo nas coisas espirituais ou temporais; e para que não aconteça algum dia que vejamos no Lugar Santo a abominação da desolação, predita pelo profeta Daniel; com a ajuda de Deus para Nosso empenho pastoral, desejamos capturar as raposas que tentam desolar a Vinha do Senhor e rechaçar os lobos para longe do rebanho, não seja que pareçamos cães mudos, nem mercenários, ou perversos e maus viticultores.

2. Depois de madura deliberação com os nossos veneráveis irmãos, os Cardeais da Santa Igreja Romana, com o conselho e o assentimento unânime de todos eles, com Nossa Autoridade Apostólica aprovamos e renovamos todas e cada uma das sentenças, censuras e castigos de excomunhão, suspensão, interdição e privação, ou outras, de qualquer modo adotadas e promulgadas contra os hereges e cismáticos pelos Pontífices Romanos, nossos predecessores, ou em nome deles, incluso as disposições não catalogadas, ou pelos sagrados concílios aprovados pela Igreja, ou pelos decretos e estatutos dos Santos Padres, ou pelos cânones sagrados, ou pelas constituições e ordenações apostólicas. E queremos e decretamos que estas sentenças, censuras e castigos, sejam observadas perpetuamente e sejam restituídas a sua primeira vigência se estiveram em desuso, e devem permanecer com todo seu vigor. E queremos e decretamos que todos aqueles que até agora houvessem sido encontrados, ou houvessem confessado, ou fossem convencidos de ter-se desviado da Fé Católica, ou de haver incorrido em alguma heresia ou cisma, ou de tê-los suscitado ou cometido; ou bem os que no futuro se apartarem da fé – o que Deus se digne impedir segundo Sua clemência e Sua bondade para com todos – , ou incorrerem em heresia, ou cisma, ou os suscitarem ou cometerem; e também os que forem surpreendidos de haver caído, incorrido, suscitado ou cometido, ou o confessem, ou o admitam, de qualquer grau, condição e proeminência que sejam, inclusive os bispos, arcebispos, patriarcas, primazes, ou outra dignidade eclesiástica maior, ou cardeais, ou legados perpétuos ou temporários da Sé Apostólica, em qualquer lugar, ou os que sobressaiam por qualquer autoridade ou dignidade temporal, de conde, barão, marquês, duque, rei, imperador; enfim, queremos e decretamos que qualquer um deles incorra nas sobreditas sentenças, censuras e castigos.

3. Considerando que os que não se abstém de obrar mal, por amor da virtude devem ser reprimidos por temor dos castigos, e que os bispos, arcebispos, patriarcas, primazes, condes, barões, marqueses, duques, reis, imperadores, que devem ensinar aos demais e servir-lhes de bom exemplo para que perseverem na Fé Católica, com sua prevaricação pecam mais gravemente que os outros, pois que não só se perdem, senão que também arrastam consigo à perdição os povos que lhes foram confiados; pela mesma deliberação e assentimento dos cardeais, com esta Nossa Constituição, válida perpetuamente, em ódio a tão grande crime - que não pode haver outro maior nem mais pernicioso na Igreja de Deus -, na plenitude de Nossa Autoridade Apostólica, sancionamos, estabelecemos, decretamos e definimos, que permanecendo no seu vigor e eficácia e produzindo o seu efeito as mencionadas sentenças, censuras e castigos, todos e cada um dos bispos, arcebispos, patriarcas, primazes, cardeais, legados, condes, barões, marqueses, duques, reis, imperadores, que até agora, segundo foi dito antes, foram surpreendidos, ou confessaram, ou são convictos de ter se desviado, ou de haver caído em heresia, ou de haver incorrido em cisma, ou de havê-los suscitado ou cometido; e também os que no futuro se desviarem, ou caírem em heresia, ou incorrerem em cisma, ou os provocarem ou cometerem, ou forem surpreendidos ou confessarem ou forem convencidos, dado que nisto resultam muito mais culpados que os demais, além das sentenças, censuras e castigos preditos, sejam eles também ipso facto privados, inteira, total e perpetuamente, de suas hierarquias e igrejas catedrais, mesmo metropolitanas, patriarcais e do cargo de qualquer legação, assim como de toda voz ativa e passiva e de toda autoridade, dos mosteiros, benefícios e funções eclesiásticas, com ou sem cura de almas, seculares ou regulares de qualquer Ordem, que hajam obtido por qualquer concessão ou dispensa apostólica, já seja como título, comenda ou administração, ou de qualquer outro modo que seja, ou aos quais tenham algum direito; ficarão assim mesmo privados de qualquer benefício, renda ou produção, reservados ou destinados a eles. E do mesmo modo serão privados completamente, e em cada caso, de seu condado, baronia, marquesado, ducado, reino e império, perpétua e absolutamente. Além disso, sejam eles inabilitados e incapacitados para tais funções; sejam tidos como relapsos e subvertidos em tudo e para tudo, ainda que antes houvessem abjurado publicamente em juízo a esta heresia. E não poderão ser restituídos, repostos, reintegrados ou reabilitados, em nenhum momento, ao estado anterior deles nas igrejas catedrais, metropolitanas, patriarcais, primaciais, ou ao cardinalato, ou a qualquer outra dignidade, maior ou menor, ou a voz ativa ou passiva, ou a autoridade, mosteiro, beneficio, ou condado, baronia, marquesado, ducado, reino ou império; antes, pelo contrário, sejam eles entregues ao arbítrio do poder secular, com a advertência devida para castigá-los. A não ser que por sinais de verdadeiro arrependimento e frutos de uma condigna penitência, por benignidade e clemência da Sé Apostólica, sejam reclusos a algum mosteiro ou a outro lugar regular, para cumprir uma penitência perpétua no pão da dor e na água da mortificação. E que sejam tidos, tratados e reputados por todos como tais, de qualquer dignidade, grau, ordem, ou condição e proeminência que sejam, ainda que episcopal, arquiepiscopal, patriarcal, primacial, ou outra maior, ou com a honra do cardinalato ou dotados de autoridade e excelência temporal, inclusive de conde, barão, marquês, duque, rei ou imperador. E como tais, devem ser evitados e destituídos de toda consolação da humanidade.

4. Os que pretendam ter o direito de patronato, ou de nomear pessoas idôneas para as igrejas catedrais, metropolitanas, patriarcais ou primaciais, ou para os mosteiros e outros benefícios eclesiásticos vacantes por esta privação, para que estes não sejam expostos aos inconvenientes de uma vacância de longa duração, mas, sim, que retirados da servidão dos hereges sejam outorgados a pessoas idôneas que dirijam os povos pelas vias da justiça, estão obrigados a apresentar a Nós ou ao Romano Pontífice existente à época, os nomes de outras pessoas idôneas para estas igrejas, mosteiros e benefícios, dentro do tempo estabelecido pelo Direito. De outra maneira, transcorrido o tempo previsto, retornará a Nós a disponibilidade plena de tais igrejas, mosteiros e benefícios.

5. Incorrem em excomunhão ipso facto todos os que conscientemente ousem acolher, defender ou favorecer aos desviados ou lhes dar crédito, ou divulguem suas doutrinas; sejam considerados infames, e não sejam admitidos a funções públicas ou privadas, nem nos conselhos ou sínodos, nem nos concílios gerais ou provinciais, nem no conclave de cardeais, ou em qualquer reunião de fiéis ou em qualquer outra eleição ou para prestar testemunho. Serão também intestáveis e não terão acesso a nenhuma sucessão hereditária, e ninguém estará ademais obrigado a responder-lhes acerca de qualquer matéria. Se tivesse algum a condição de juiz, suas sentenças carecerão de toda validez, e não se poderá submeter nenhuma causa à sua audiência; se fora advogado, seu patrocínio será tido por nulo, e se fora escrivão seus papéis carecerão por completo de eficácia e vigor. Ademais os clérigos sejam privados ipso facto de todas e cada uma de suas igrejas, inclusive catedrais, metropolitanas, patriarcais ou primaciais, de suas dignidades, mosteiros, benefícios e cargos eclesiásticos, inclusive, como já foi dito, qualquer que seja o grau e o modo de sua obtenção. Tanto clérigos como leigos, inclusive os que obtiveram normalmente e que estiverem investidos das dignidades mencionadas, serão privados sem mais trâmite de seus reinos, ducados, domínios, feudos e de todos os bens temporais que possuíram. Seus reinos, ducados, domínios, feudos e bens temporais tornem-se públicos, e como bens públicos tornem-se, de direito, propriedade daqueles que por primeiro os ocupem, se estes estiverem na sinceridade da Fé e em união com a Santa Igreja Romana, sob Nossa obediência e dos Romanos Pontífices, Nossos sucessores, que entrarem canonicamente.


6. Nós acrescentamos que, se em qualquer tempo que seja, aparecer algum bispo, ou mesmo se se tratar de um arcebispo, ou de um patriarca ou cardeal da referida Igreja Romana, inclusive se na função de legado, ou também um Romano Pontífice que antes de sua promoção ao cardinalato ou assunção ao pontificado, se houvesse desviado da Fé, ou incidido em alguma heresia, ou incorrido em cisma, a sua promoção ou assunção, inclusive se esta houvera ocorrido com o acordo unânime de todos os cardeais, é nula, inválida e sem nenhum efeito; e de nenhum modo pode considerar-se que tal assunção tenha adquirido validez, por aceitação do cargo e por sua consagração, ou pela subseqüente possessão ou quase possessão de governo e administração, ou pela mesma entronização ou veneração do Romano Pontífice, ou pela obediência que todos lhe haviam prestado, qualquer seja o tempo transcorrido depois dos supostos preditos. Tal assunção não será tida por legítima em nenhuma de suas partes, e não será possível considerar que se há outorgado ou se outorga alguma faculdade de administrar nas coisas temporais ou espirituais aos que são promovidos, em tais circunstâncias, à dignidade de bispo, arcebispo, patriarca, primaz, cardeal, ou Romano Pontífice, senão que pelo contrário todos e cada um dos pronunciamentos, feitos, atos e resoluções e seus conseqüentes efeitos carecem de força, e não outorgam nenhuma validez, e nenhum direito a ninguém.

7. E em conseqüência, os que assim houvessem sido promovidos e houvessem assumido suas funções, por essa mesma razão e sem necessidade de haver nenhuma declaração ulterior, estão privados de toda dignidade, lugar, honra, título, autoridade, função e poder; e seja lícito, em conseqüência, a todas e a cada uma das pessoas, tanto clérigos seculares e regulares quanto leigos, que estariam subordinadas aos assim promovidos e assumidos se estes não se houvessem apartado antes da Fé, nem houvessem sido heréticos, nem houvessem incorrido em cisma, suscitando-os ou cometendo-os; e aos Cardeais, inclusive aos que houvessem participado na eleição desse Romano Pontífice, antes desviado da Fé, herético ou cismático, ou que nela consentiram por outros modos, e a ele prestaram obediência e veneração; aos chefes, prefeitos, capitães e oficiais, inclusive de nossa santa cidade e de todo o Estado Pontifício, mesmo aos que são obrigados e vinculados aos assim promovidos e assumidos por vassalagem ou juramento, seja-lhes lícito subtrair-se em qualquer momento e impunemente da obediência e devoção daqueles que foram assim promovidos e assumidos, e evitá-los como a magos, pagãos, publicanos e heresiarcas; permanecendo, entretanto, essas mesmas pessoas subordinadas, vinculadas à fidelidade e à obediência dos futuros bispos, arcebispos, patriarcas, primazes, cardeais e Romano Pontífice, que entrarem canonicamente. E ademais para maior confusão destes mesmos assim promovidos e assumidos, se pretenderem prolongar seu governo e administração, seja lícito requerer o auxílio do braço secular contra eles. E não por isso os que desse modo se afastarem da fidelidade e da obediência para com os assim promovidos e assumidos, estarão submetidos ao rigor de algum castigo ou censura, como se o exigem pelo contrário aos que cortam a túnica do Senhor.

8. Não tenham nenhum efeito contra estas disposições as constituições e ordens apostólicas, nem os privilégios, indultos e letras apostólicas, dirigidas a bispos, arcebispos, patriarcas, primazes e cardeais, nem qualquer outra resolução, de qualquer teor e forma, e com quaisquer cláusulas ou decretos, mesmo os por motu proprio e de ciência certa do Romano Pontífice, ou concedidos com a plenitude do poder apostólico, ou promulgados em consistórios, ou de qualquer outra maneira; nem mesmo os aprovados em reiteradas ocasiões, ou renovados e incluídos no Direito, ou como capítulos de conclave, ou confirmados por juramento, ou por confirmação apostólica, ou por qualquer outro modo de confirmação, inclusive os jurados por Nós mesmos. Considerando, pois, essas resoluções, como aqui expressas e inseridas palavra por palavra, permanecendo elas em sua força, Nós, agora, de modo especial e expresso, somente derrogamos as partes contrárias (à presente Bula), quaisquer que sejam.


9. A fim de que as presentes letras sejam levadas ao conhecimento de todos aqueles a quem elas interessam, queremos que elas, ou uma cópia – subscrita pela mão de um notário público e munida com o selo de alguma pessoa constituída em dignidade eclesiástica – seja publicada e fixada nas portas da Basílica do Príncipe dos Apóstolos, nas portas da Chancelaria Apostólica, e no extremo da Plaza de Flora por algum de nossos oficiais; e que uma cópia destas seja enviada a eles. E que esta publicação, afixação e envio da cópia seja suficiente. Deve ser tida com caráter de solene e legítima, e não seja requerida nem se deva esperar outra publicação.


10. Portanto, a nenhum homem seja lícito infringir esta página de Nossa aprovação, renovação, sanção, estatuto, derrogação, vontade e decreto, ou por temerária ousadia, contradizê-los. Mas se alguém pretendesse intentá-lo, saiba que haverá de incorrer na indignação do Deus Onipotente e na de Seus santos Apóstolos Pedro e Paulo.

Dado em Roma, junto a São Pedro, no ano da Encarnação do Senhor de 1559, XVº dia anterior às calendas de Março, ano 4º de nosso Pontificado (15 de fevereiro de 1559),

Papa Paulo IV

– Seguem as subscrições de 32 Cardeais –

(Bullarium Romanum, vol. IV, sec. I, p. 354-7)

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